Renan Mattos
O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro gastou R$ 11.790,35 mil em uma padaria localizada em Santa Maria no dia 15 de junho de 2019. O estabelecimento, que fica na Faixa Nova de Camobi, aparece na planilha que detalha os valores gastos em cartões corporativos da Presidência da República entre 2003 e 2022. Na época, Bolsonaro foi o principal convidado da Festa Nacional da Artilharia, realizada no Regimento Mallet, dia em que o gasto foi registrado. O evento começou por volta das 19h e se encerrou pouco depois das 21h. Os gastos presidenciais com cartões corporativos não são novidade nem ilegais (leia mais abaixo). Contudo, o detalhamento de informações foi revelado nesta semana.
Ao Diário, o sócio-proprietário da padaria Felipão, Felipe de Lima, 36 anos, explica que o valor foi usado na compra de lanches para cerca de 700 pessoas que faziam parte da comitiva de Bolsonaro e estavam presentes no evento. Água, refrigerante, sanduíches, barras de cereal e frutas eram alguns dos itens encomendados. A divulgação dos dados – e até do nome do estabelecimento – teve grande repercussão nas redes sociais nesta semana e chamou a atenção dos santa-marienses.
— Eles entraram em contato conosco e a gente ficou surpreso, disseram que viram a padaria pelo site. Eles mandaram o que precisavam lá, fizemos o orçamento e entregamos no Mallet pela parte da tarde. Fizemos o nosso trabalho como faremos para qualquer um que venha solicitar — explicou Lima.
Fim do sigilo
Os dados sobre o uso do cartão corporativo já haviam sido revelados, mas sem o detalhamento dos itens comprados. Porém, o novo material, que permite saber produtos e serviços adquiridos, foi divulgado na segunda-feira (23) e obtido por meio da agência Fiquem Sabendo, especializada em pedidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI). Durante esta semana, integrantes da agência trabalham para digitalizar e tornar públicos os dados. As notas apontam gastos com doces, remédios tarja preta e picanha. A lista completa está disponível aqui.
Afinal, o que são cartões corporativos?
O Cartão de Pagamento do Governo Federal (CPFG) foi criado em 2001 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e reformulado em 2005 por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e tinha como objetivo substituir cheques, dando prioridade para o pagamento eletrônico, visando a transparência dos gastos. Em 2008, o cartão virou item obrigatório para gastos com necessidade de itens de urgência.
Materiais para a conservação, adaptação, melhoramento de bens móveis e imóveis, serviços gráficos, fotográficos, confecção de carimbos, chaves, despesas de viagens e alimentação em serviço são algumas das compras permitidas com o cartão. Porém, não existe uma definição concreta daquilo que pode ou não ser comprado. A orientação da Controladoria-Geral da União (CGU) é que o servidor público tenha cautela quanto ao uso.
Além do presidente da República e do vice-presidente, alguns órgãos da administração pública direta e ministérios também podem ter acesso ao recurso. Gastos com eventos, publicações, livros e ornamentação só podem ser realizados em situações atípicas, além de um interesse público e em caso de necessidade de sigilo das compras. Aquele que usar o serviço deve justificar os gastos feitos.
Apenas as despesas cuja divulgação comprometa a segurança do presidente, vice-presidente da República, seus cônjuges e filhos, além de informações que possam comprometer a segurança da sociedade e do país, podem ser sigilosas. A LAI regula o prazo máximo para a liberação dos valores no cartão corporativo: os gastos presidenciais são protegidos até o final do mandato, enquanto os gastos de outros órgãos podem ser reservados entre cinco e 50 anos. Porém, a quebra do sigilo pode ser alterada em casos específicos, como uma investigação.
Os cartões corporativos contam com limites por tipo de despesa estabelecidos pelo ministro da Fazenda: R$ 15 mil em obras e serviços de engenharia, e R$ 8.000 em gastos com a compras e serviços gerais. De 2018 a 2022, anos do governo de Jair Bolsonaro, foram gastos R$ 27,6 milhões. A reavaliação do sigilo de documentos do ex-presidente foi solicitada logo no primeiro dia do terceiro mandato de Lula.
Quanto cada presidente gastou?
No Portal de Transparência da Controladoria-Geral da União, é possível acessar informações sobre os gastos realizados no cartão de todos os presidentes a partir de 2003.
Veja a lista (valores sem correção):
Lula (2003 – 2006): R$ 22 milhões;
Lula (2007 – 2010): R$ 21,9 milhões;
Dilma Rousseff (2011 – 2014): R$ 24,5 milhões;
Dilma Rousseff (2015 – 2016): R$ 7,1 milhões;
Michel Temer (2016 – 2018): R$ 11,6 milhões;
Jair Bolsonaro (2019 – 2022): R$ 27,6 milhões.*
*Quantia divulgada pela Secretaria-Geral do governo, porém, no Portal de Transparência, o valor ultrapassa os R$ 75 milhões. A divergência pode ser explicada porque as planilhas foram divulgadas em resposta ao pedido da agência através da LAI, e não se sabe se os gastos são apenas do presidente e sua equipe de segurança ou se inclui despesas de outros órgãos. Os números do Portal de Transparência são especificados conforme os diferentes órgãos, diferente da planilha da Secretaria-Geral.
*com informações do Governo Federal